Frase feita "HOJE OS TEMPOS SÃO OUTROS". E os filmes também. Que antigamente o cinema era ingênuo, coisa e tal, e que hoje é mais sério, com mais recursos computadorizados etc.
Obviemice - mistura de óbvio com mesmice - pensamento muito usado por quem gosta de frases ou conceitos prontos (pelo menos esta palavra estranha ai de cima não é "pronta", pois acabei de inventar) que usam
para rotular um conceito qualquer...
Vejamos, por exemple o filme MARCELINO PÃO E VINHO ("MARCELINO, PAN Y VINO") de 1955, dirigido Ladislao Vadja: a história de um menininho órfão abandonado às portas de um convento, que passou a ser criado pelos
jesuítas locais. O menino, arteiro, brincalhão, levava à loucura os seus tutores de batina. Vivia uma vida solitária de crianças de sua idade e por isso, talvez, tornou-se muito sonhador e imaginativo; sonhava com sua mãe, que não conheceu, e com Jesus (aqui
por certo influência de tantas missas que um interno de convento acaba por assistir)
Daí que começou a contar que conversava com Jesus... jurava até, que era verdade, no que era constantemente censurado pelos jesuítas, que não acreditavam nas histórias do menino - como podia ele conversar
com Jesus Cristo?
Uma história simples, infantil, uma mentira? Aqui o roteiro, bem feito, com apurada direção deixa de ser ingênuo e se aprofunda num mar de dúvidas entre a mentira da criança ou a falta de crença dos jesuítas;
cumpre notar que foi um filme feito para crianças, mas que levou às lágrimas milhares e milhares de adultos. Hoje mesmo, ao rever pela enésima vez o filme, para fazer esta resenha, novamente eu chorei, e olha que estou com 70 anos, não me considero enfermo
nem gagá, e que assisto, em média, 22 filmes por semana, qualquer gênero, ano, ator, de Chaplin a Bergman, o mais eclético possível. Tamanho foi o sucesso do filme que até álbum de figurinha teve e eu próprio, que tenho até hoje, há precisos 65 anos, bem preservado
(tal como eu!)
Mas, voltando à história querem saber se realmente o Marcelino conversava com Cristo, diria, antes, que a ingenuidade, quando aplicada a uma pessoa, geralmente é temperada de conceito um tanto ou quanto
depreciativo, mas não reparam por exemplo, nos tantos canais religiosos existentes hoje em dia, cheios de pregações e depoimentos vários de pessoas que "viram ou falaram com Deus, Cristo e outros Santos".
Enfim, o que quero dizer é que a INGENUIDADE não é conceito nem predicado, mas, mais que tudo considero eu, um SENTIMENTO, que está presente, até hoje, nas pessoas, e tal como a CRENÇA, ela é maior ou menor em cada um, podendo existir uma criança perversa ou um adulto sentimental (ingênuo/não pejorativo). Tal e qual um filme antigo como o "MARCELINO...",
onde o sentimento existe a ingenuidade habita e a crença faz morada.
Para mim, o filme é ingênuo sim, cheio de crença também, e por isso mesmo inteiramente atual e moderno, aliás, como somos todos nós, os sentimentais. Ah! sobre o filme, se o menino encontra a mãe, se realmente falava com Jesus acho melhor assistirem ao filme. Aí vamos ver se você é sentimental, ingênuo ou datado? E até aonde vai sua crença!